Jornal A Semana

A MECANIZAÇÃO EXISTENCIAL

  • Douglas Varela
  • 12/04/2021 09:01
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O vazio presente no olhar dos trabalhadores dispostos de maneira ordenada na obra “Operários”, da artista Tarsila do Amaral tem, atualmente, apresentado diversos significados para mim. O quadro que possui, em segundo plano, indústrias com chaminés fumegantes e à frente, o rosto de labutadores que não estabelecem contato visual uns com os outros e apenas miram uma fenda no horizonte com sofreguidão e cansaço, mostram-nos o cotidiano de pessoas sem perspectivas de melhora da realidade latente.

Eu estava olhando para a produção da Tarsila e encontrei-me nela. A massificação e a monetização de vidas esvazia propósitos e despe-as de sentimentos, fazendo com que as pessoas sejam obrigadas a se conformar com o caos. Vivemos em um sistema que pensar não é essencial, o que importa é produzir. Não aprendemos a questionar ou criticar barbáries, mas nos ensinam que devemos apenas concordar e indiferentes, seguirmos trabalhando.

Comecei a pensar sobre isso enquanto conversava com alguns amigos, ao discutirmos sobre a resolução de questões de vestibulares ou até mesmo quanto à redação do Exame Nacional do Ensino Médio. Nessa óptica, convém ressaltar que os avaliadores não esperam que apresentemos algo inovador, criativo, sentimentalista ou prepotente para obtermos uma boa nota e sermos aprovados em uma faculdade bacana. Para atingirmos uma boa média é preciso seguir uma receita, decorar alguns conectivos e encaixá-los nos quatro períodos dos quatro parágrafos da dissertação enquanto pensamos em uma proposta de intervenção que não ultrapasse o limite de linhas.

Ademais, basta escolher uma das cinco alternativas dispostas para cada uma das cento e oitenta questões. Nada é novo. A prova está nos esperando, fria e indiferente. Não questiona se foi preciso trabalhar por 40 horas semanais e estudar nos escassos tempos livres durante a preparação ou se foi possível dedicar vinte e quatro horas de uns dois anos em algum cursinho pré-vestibular. As perguntas são iguais para pessoas diferentes. Nessas provas, seres humanos com realidades distintas, provenientes de diversos locais precisam almejar um destino novo sem saber ao certo o porquê. Questiono-me, como toda uma vida acadêmica pode ser avaliada por meio de uma única prova?

Da mesma maneira que Tarsila expôs a frieza e a indiferença nos rostos dos operários, nós ostentamos conquistas com o uso raso de nossos cérebros. Somos ensinados a identificar padrões, dividir conhecimentos em caixinhas e encaixar a melhor resposta dentre opções predefinidas. Não aprendemos a reinventar a roda, questionar o jogo ou a apontar fragilidades sistemáticas. Passamos a pensar de maneira mecanizada e a banalizar o mal. Estamos a cada dia menos humanos. Mas, para que se preocupar com nosso déficit crítico e criativo, se o que realmente importa, é trabalharmos e gerarmos riqueza, para assim, alimentarmos as ambições de pessoas que nem conhecemos.

Por ora, nós adolescentes e jovens, precisamos aceitar esse modo mecânico e indiferente de seleção, caso queiramos estudar em uma universidade bacana. Porém, por meio desse texto convido-os a pensar e a traçar novos caminhos mais igualitários, justos e humanos para permearem as relações acadêmicas, trabalhistas e existenciais.

 


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