Jornal A Semana

O NEGACIONISMO SEBASTIANISTA E A BUSCA POR HERÓIS NACIONAIS

  • Douglas Varela
  • 29/05/2020 17:00
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Em contraponto à análise do clássico sociólogo Max Weber, que define o conceito de “desencantamento de mundo”, no qual o ser humano moderno despiu-se das crenças e tradições místicas buscando a racionalidade lógica, observa-se que enraizada à nossa cultura nacional está uma herança que carregamos desde o colonialismo português, denominada Sebastianismo, a qual nos conduz a crer em salvadores da pátria, milagres hediondos e heróis nacionais.

Ao assistir uma live do Leandro Karnal comecei a refletir sobre o Sebastianismo. Ele que foi um mito surgido durante a segunda metade do século XVI, após o misterioso desaparecimento de Dom Sebastião, então rei de Portugal em uma batalha no norte africano. Com a morte de Sebastião que não possuía esposa e herdeiros, Felipe II da Espanha assumiu o trono português, deixando os portugueses descontentes com a situação política, exaltando o nacionalismo e alimentando a esperança de que um dia Dom Sebastião ressuscitaria e tiraria o poder das mãos espanholas, “salvando” Portugal. Após reviravoltas políticas, a dinastia Bragança assumiu o poder e Dom João IV passou a fazer parte da história como conhecemos.

No entanto, a lenda de adoração sebastianista atravessou mares e movimentou ideologias de norte a sul do Brasil, estando presente nos discursos de Antônio Conselheiro, líder da Revolta de Canudos, que afirmava estar próxima a vinda de Dom Sebastião dos mortos como um “rei bom” que seria capaz de solucionar todos os problemas brasileiros.

O milenarismo sebastianista faz parte da nossa cultura, uma vez que as crenças em heróis nacionais e milagres hediondos não remontam somente o período colonial, mas fazem-se presentes em crenças contemporâneas, como cita Leandro Karnal, quando defendemos o pensamento de que “se o Brasil vai mal, Tancredo Neves irá nos salvar…” ou “Não, não, o Brasil precisa de um homem firme, Collor!” e desde então, a história repete-se.

Caçamos um milagre que nos condiciona a crer que em um passe de mágicas a situação irá normalizar-se e o Brasil não será mais o segundo país com mais casos de Covid-19 no mundo, induzindo-nos ao negacionismo de um problema eminente, criando uma cortina de fumaça e depositando fichas em um tratamento milagroso capaz de justificar a reabertura econômica e a saída do isolamento social, enquanto a ineficácia de tais pílulas brancas foi internacionalmente comprovada por renomados cientistas.

Nossa crença sebastianista condiciona-nos a preferirmos deixar de ser protagonistas e transferir a culpa aos terceiros, de modo que ninguém é o responsável e todos dependem de um salvador milagroso.

A verdade é que não haverá uma redenção mágica a menos que seja reformulada a educação.

Precisamos deixar de lado a idolatria mística e política e investirmos em conhecimento e debate científico. Enquanto líderes contestam a ciência e propõe soluções milagrosas que vão na contramão às recomendações da OMS, nosso país conta com mais de 22 mil mortes.

Enquanto alguns defendem que a pandemia quebrou o sistema, acredito que o coronavírus apenas expôs a quebra no sistema que sempre existiu e negamos ver.


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